Políticos já dividem cargos em estatais .



26 Out 2014



Cargos em estatais


Antes mesmo de o Brasil conhecer o próximo presidente da República, partidos mapeiam onde podem acomodar aliados. Em apenas nove empresas, são 149 vagas de direção e em conselhos de administração, com salários mensais de até R$ 62,4 mil

BÁRBARA NASCIMENTO


No momento em que o resultado das eleições presidenciais for divulgado, na noite deste domingo, uma complexa rede de negociações começará a ser tecida. Para garantir apoio político, o vencedor das urnas terá às mãos uma gama de cargos que tendem a seduzir políticos ávidos por poder, sobretudo se as cadeiras estiverem no comando de empresas estatais. Muitas dessas companhias têm orçamentos maiores do que vários ministérios, sem a obrigação de dar transparência a suas operações.
Somente em nove das principais empresas públicas — Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaipu, Eletrobras, Correios, Dataprev, Serpro e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) —, 149 postos de direção e em conselhos de administração estão disponíveis para acomodar aliados políticos. Os salários mensais são tentadores: chegam a até R$ 62,4 mil, além das mordomias atreladas aos cargos, como carro particular e casa. Os escolhidos têm ainda a oportunidade de atrair para o seu entorno uma horda de protegidos, uma vez que as companhias dispõem de cargos de livre provimento — a maioria deles de assessores especiais.
Esse aparelhamento, dizem os especialistas, prejudica a credibilidade das estatais, na medida em que o governo age em seu próprio benefício, ou no de aliados políticos, em detrimento das melhores decisões para a empresa. “É uma forma de sequestro do interesse público para fins privados e um sinal de problemas gravíssimos de governança. Não é ético, não é certo ter um acionista direcionando a companhia para assuntos de sua conveniência. Isso derruba a confiança dos investidores”, diz a professora Carmem Migueles, especialista em gestão da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Sócia majoritária, a União tem, por lei, o direito de indicar a diretoria e grande parte dos conselhos de administração e fiscal das estatais. Em vários casos, postos estratégicos dos conselhos são ocupados por ministros, como forma de engordarem os contracheques. Aos acionistas minoritários das companhias cabe, geralmente, a indicação de um representante, sendo o mesmo aplicado aos empregados.
Para representar o governo nos conselhos das estatais, os eleitos embolsam os chamados jetons, remuneração extra acrescida ao salário. O assento do ministro da Fazenda, Guido Mantega, no conselho da Petrobras rende a ele R$ 19,7 mil por mês, o mesmo recebido pela titular do Planejamento, Miriam Belchior. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, embolsa R$ 8,7 mil pela participação nos conselhos dos Correios e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Os dados, do Portal da Transparência, são referentes a agosto deste ano.

Falta de transparência

A presença de ministros no processo decisório das estatais não impede, porém, atos de corrupção. Apenas na Petrobras, foram desviados pelo menos R$ 10 bilhões em oito anos. O aparelhamento se prolifera dentro das empresas por meio de postos menores, vinculados a diretorias ocupadas por políticos. “Todo cargo de direção está sujeito à política. A pessoa pode ser funcionária de carreira ou vir de fora da companhia, mas só ocupará aquele posto se tiver alguém que o indique”, afirma Gil Castelo Branco, da Organização Não Governamental (ONG) Contas Abertas.
Para ele, a estrutura partidária atípica do país, com 39 legendas, obriga o governo a barganhar postos públicos para firmar alianças e obter apoio. “O que o Palácio do Planalto tem a oferecer para agregar legendas? Cargos bem remunerados. É assim que se formam as diretorias das empresas públicas, sem caráter de mérito ou competência”, completa Castelo Branco.
Nenhuma dessas pessoas está sujeita ao abate-teto, que impede que rendimentos de ocupantes de cargos públicos sejam superiores ao recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal — R$ 29,4 mil, atualmente. Conforme o Ministério do Planejamento, a Emenda Constitucional 19, de 1998, retirou as empresas que não dependem do Tesouro Nacional da obrigação de respeitar o teto constitucional. São 18 as estatais que dependem do governo.
Algumas empresas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Caixa Econômica, a Petrobras e a Dataprev, alegam que, por motivos concorrenciais, não divulgam os salários recebidos por diretores e presidentes. Segundo o decreto que regulamenta o acesso à informação (nº 7.724, de 16 de maio de 2012), a divulgação de dados “de empresas públicas que atuem em regime de concorrência estará submetida às normas pertinentes da Comissão de Valores Mobiliários, a fim de assegurar sua competitividade, governança corporativa e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários”.
Muitos analistas discordam desse argumento. “As estatais se escondem por detrás desse mantra da concorrência para fugirem da transparência. A União é a sócia majoritária, o que significa que a sociedade é a principal dona dessas empresas e precisa de um retorno”, critica Castelo Branco. “O problema não é só o uso das estatais como moeda de troca na construção de alianças, mas também como braço de política pública pouco clara, como, por exemplo, a ingerência sobre preços, como estamos vendo na Petrobras, prejudicada pelo congelamento dos combustíveis”, emenda a professora Carmem, da FGV.

Renúncia

A falta de transparência faz com que várias estatais se tornem locais propícios para irregularidades graves. “Muito dinheiro, muita ingerência política e pouquíssima transparência. Esse é o melhor ambiente para a corrupção”, afirma o dirigente da ONG Contas Abertas. Um dos casos mais polêmicos envolve o secretário financeiro do PT, João Vaccari Neto, apontado como uma das peças-chave do processo de desvio de recursos da Petrobras, desvendado pela Operação Lava-Jato. Ele ocupa um cargo de conselheiro da Itaipu Binancional. Por participar de uma reunião por mês do conselho de administração da hidrelétrica, embolsa R$ 20,8 mil. Engolfado pelas denúncias, Vaccari prometeu renunciar ao posto na próxima quinta-feira.
No entender de Carlos Velloso, coordenador da comissão de governança em estatais do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, a legislação que se aplica às empresas públicas é a mesma que vale para as companhias privadas. Ou seja, cabe ao acionista minoritário recorrer à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no caso de firmas de capital aberto, ou à Justiça, quando houver uma situação de mau uso da máquina pública. “A lei é clara. Diretores e representantes de conselhos têm que trabalhar em benefício da companhia e não de quem os indicou”, assegura.

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