Planalto vê Igreja Católica como potencial opositora da esquerda .
10/02 às
13h29
Na avaliação da equipe de Bolsonaro, Igreja é tradicional aliada do PT e
está se articulando para influenciar debates
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O Palácio do Planalto quer conter o
que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo
Jair Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de
esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional
aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes
protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.
O alerta ao governo veio de informes
da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e dos comandos militares. Os
informes relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa
Francisco, no Vaticano, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia,
que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes.
Jair Bolsonaro (Foto: Isac Nóbrega/PR)
Durante 23 dias, o Vaticano vai
discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo
brasileiro como uma "agenda da esquerda".
O debate irá abordar a situação de
povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas.
"Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí", disse o
ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno,
que comanda a contraofensiva.
Com base em documentos que circularam
no Planalto, militares do GSI avaliaram que os setores da Igreja aliados a movimentos
sociais e partidos de esquerda, integrantes do chamado "clero
progressista", pretenderiam aproveitar o Sínodo para criticar o governo
Bolsonaro e obter impacto internacional. "Achamos que isso é interferência
em assunto interno do Brasil", disse Heleno.
Escritórios da Abin em Manaus, Belém,
Marabá, no sudoeste paraense (epicentro de conflitos agrários), e Boa Vista
(que monitora a presença de estrangeiros nas terras indígenas ianomâmi e Raposa
Serra do Sol) estão sendo mobilizados para acompanhar reuniões preparatórias
para o Sínodo em paróquias e dioceses.
O GSI também obteve informações do
Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e do Comando Militar do Norte,
em Belém. Com base nos relatórios de inteligência, o governo federal vai
procurar governadores, prefeitos e até autoridades eclesiásticas que mantêm
boas relações com os quartéis, especialmente nas regiões de fronteira, para
reforçar sua tentativa de neutralizar o Sínodo.
O Estado apurou que o GSI planeja
envolver ainda o Itamaraty, para monitorar discussões no exterior, e o
Ministério do Meio Ambiente, para detectar a eventual participação de ONGs e
ambientalistas. Com pedido de reserva, outro militar da equipe de Bolsonaro
afirmou que o Sínodo é contra "toda" a política do governo para a
Amazônia - que prega a defesa da "soberania" da região. "O
encontro vai servir para recrudescer o discurso ideológico da esquerda",
avaliou ele.
Conexão
Assim que os primeiros comunicados da
Abin chegaram ao Planalto, os generais logo fizeram uma conexão com as críticas
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a Bolsonaro durante a
campanha eleitoral. Órgãos ligados à CNBB, como o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), não economizaram
ataques, que continuaram após a eleição e a posse de Bolsonaro na Presidência.
Todos eles são aliados históricos do PT. A Pastoral Carcerária, por exemplo,
distribuiu nota na semana passada em que critica o pacote anticrime do ministro
da Justiça, Sérgio Moro, que, como juiz, condenou o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva na Lava Jato.
Na campanha, a Pastoral da Terra
divulgou relato do bispo André de Witte, da Bahia, que apontou Bolsonaro como
um "perigo real". As redes de apoio a Bolsonaro contra-atacaram
espalhando na internet que o papa Francisco era "comunista". Como
resultado, Bolsonaro desistiu de vez da CNBB e investiu incessantemente no
apoio dos evangélicos. A princípio, ele queria que o ex-senador e cantor gospel
Magno Malta (PR-ES) fosse seu candidato a vice. Eleito, nomeou a pastora
Damares Alves, assessora de Malta, para o Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos.
Histórico
A relação tensa entre militares e
Igreja Católica começou ainda em 1964 e se manteve mesmo nos governos de
"distensão" dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, último
presidente do ciclo da ditadura. A CNBB manteve relações amistosas com governos
democráticos, mas foi classificada pela gestão Fernando Henrique Cardoso como
um braço do PT. A entidade criticou a política agrária do governo FHC e a
decisão dos tucanos de acabar com o ensino religioso nas escolas públicas.
O governo do ex-presidente Lula, que
era próximo de d. Cláudio Hummes, ex-cardeal de São Paulo, foi surpreendido, em
2005, pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio. O religioso
se opôs à transposição do Rio São Francisco.
Com a chegada de Dilma Rousseff, a
relação entre a CNBB e o PT sofreu abalos. A entidade fez uma série de eventos
para criticar a presidente, especialmente por questões como aborto e reforma
agrária. A CNBB, porém, se opôs ao processo de impeachment, alegando que
"enfraqueceria" as instituições.
'Vamos
entrar a fundo nisso'
O ministro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, afirmou que há uma "preocupação"
do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios do Sínodo sobre a
Amazônia, que ocorrem nos Estados.
"Há muito tempo existe
influência da Igreja e ONGs na floresta", disse. Mais próximo conselheiro
do presidente Jair Bolsonaro, Heleno criticou a atuação da Igreja, mas
relativizou sua capacidade de causar problemas para o governo.
"Não vai trazer problema. (O
trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro) vai apenas fortalecer
a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo
na Amazônia", afirmou. "A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso
pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso."
Tanto o ministro Augusto Heleno
quanto o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, hoje na assessoria do
GSI e no comando do monitoramento do Sínodo, foram comandantes militares em
Manaus. O vice-presidente Hamilton Mourão também atuou na região, à frente da
2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira. As informações
são do jornal O
Estado de S. Paulo.
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