Sistema de Proteção Social : O que os militares querem .
No momento em que o
país precisa ajustar as contas públicas e que o presidente Jair Bolsonaro
promete uma ampla reforma de Previdência, é uma dúvida até para a área
econômica do governo qual será a mudança nas regras para os militares.
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Laís Alegretti - Da BBC News Brasil
em Brasília
18 JAN2019
19h27
atualizado às 19h33
Quem introduz o
tema aposentadoria ao diálogo com um militar tem que estar preparado para uma
resposta que, invariavelmente, segue o mesmo roteiro: o argumento de que eles
não fazem parte da Previdência.
SAIBA MAIS
Quem introduz o tema aposentadoria ao
diálogo com um militar tem que estar preparado para uma resposta que,
invariavelmente, segue o mesmo roteiro: o discurso de que eles não fazem parte
da Previdência
Foto: EPA / BBC News Brasil
O script é adotado tanto pelos principais nomes das Forças Armadas - o
ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o comandante do
Exército, general Edson Pujol - quanto pelos subordinados.
"Tudo que se
fala a respeito de Previdência Social não se refere aos militares. Este é o
primeiro princípio legal que nós temos que pensar", disse Pujol, no dia em
que assumiu o comando da mais numerosa das três forças.
Em entrevista à BBC
News Brasil, na mesma semana em que assumiu o cargo, o ministro Fernando
Azevedo e Silva disse que os militares não serão atingidos por uma reforma da
Previdência "porque o militar não tem Previdência".
Essa discussão
sobre a nomenclatura é uma forma de fugir do debate central, que é exatamente a
necessidade de mudar as regras dos benefícios pagos a servidores inativos
(militares e civis) e a aposentados da iniciativa privada, segundo o economista
e sociólogo Marcelo Medeiros, vinculado à Universidade de Princeton, nos EUA, e
à UnB (Universidade de Brasília).
"Não chamar (o
sistema dos militares) de Previdência está errado e é uma tentativa de fugir do
problema. Eles têm Previdência e ponto final. O ponto fundamental é: você paga
às pessoas quando elas param de trabalhar. No mundo inteiro isso é chamado de
aposentadoria ou pensão", afirmou.
Militares elaboram
a própria proposta
No momento em que o
país precisa ajustar as contas públicas e que o presidente Jair Bolsonaro
promete uma ampla reforma de Previdência, é uma dúvida até para a área
econômica do governo qual será a mudança nas regras para os militares.
O motivo é: a
tarefa de elaborar uma proposta de mudanças para os militares está nas mãos
deles mesmos, e não da equipe de Previdência do superministério de Paulo Guedes
(Economia), segundo integrantes do governo.
A equipe da
secretaria de Previdência e Trabalho, chefiada por Rogério Marinho, é
responsável pela formulação de uma proposta de reforma para o INSS (Instituto
Nacional do Seguro Social) e para o regime dos servidores civis.
Procurada pela
reportagem, a assessoria de imprensa da secretaria informou que não vai
comentar o tema.
Mudança em tempo de
serviço e pensão
Nos bastidores, os
militares dizem que aceitam algumas mudanças nas regras de aposentadoria se o
governo concordar em promover uma reestruturação da carreira deles.
Os integrantes das
Forças Armadas têm reclamado de um salário que consideram defasado em relação a
carreiras de servidores civis, como na Polícia Federal, no Itamaraty e no Banco
Central.
Segundo militares
que participam das discussões, há um entendimento sobre a necessidade de
ampliar o tempo de serviço, que hoje é de 30 anos. Também estudam uma alteração
na pensão, já que hoje, quando um militar morre, deixa de incidir um desconto
em cima do valor do benefício.
Oficialmente militares não se
aposentam, eles passam para a reserva
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
A proposta do
Ministério da Defesa, nos moldes do que já defenderam durante o governo do
ex-presidente Michel Temer, passa agora por nova análise, visto que em janeiro
houve mudança em toda a cúpula militar. Além da troca no primeiro escalão do
ministério da Defesa, também houve alteração nos comandos das três forças.
As peculiaridades
Um tópico que nunca
falta em uma conversa sobre o tema com militares é a peculiaridade da carreira
dos militares em relação aos civis.
Entre as
dificuldades que eles alegam, estão: militares não têm direito a hora extra,
adicional noturno ou de periculosidade; têm a impossibilidade de acumular
empregos, de fazer greve ou de poder se sindicalizar; e a necessidade de
disponibilidade permanente, com uma jornada diária que pode se prolongar além
das corriqueiras 8 horas.
Em geral,
especialistas concordam com a existência dessas peculiaridades, mas ponderam
que isso deve impactar na carreira, enquanto eles estão na ativa, e não na
remuneração de quando vão para a reserva.
"As
particularidades da carreira militar justificam salários diferenciados, não
aposentadoria fortemente distinta", disse Marcelo Medeiros.
O Exército tinha, no início do ano,
mais de 67.600 filhas de militares recebendo R$ 407 milhões por mês - o que dá
um valor de mais de R$ 5 bilhões por ano
Foto: EPA / BBC News Brasil
O especialista
defende uma melhoria na carreira dos militares, mas diz que o país não pode
abrir mão de uma reforma previdenciária que envolva a categoria. Para ele, boas
soluções contemplariam o aumento do tempo de serviço dos militares, além de
prever uma remuneração proporcional ao tempo de contribuição, o que estimula
que eles passem mais tempo na ativa.
"E é claro que
tem que ter um período de transição, para todo mundo. As pessoas têm que se
preparar para as mudanças."
Medeiros defende
que o governo deveria se apressar em apresentar os cálculos de previsão de
economia com os diferentes aspectos das propostas que estão em avaliação:
"É preciso fazer uma reforma mais baseada em cálculo e menos baseada em
ideologia."
O tamanho do rombo
O orçamento deste ano
prevê um déficit na Previdência que soma mais de R$ 305 bilhões, considerando
um resultado negativo de R$ 218 bilhões do regime geral (INSS), além do regime
dos servidores civis (R$ 44,3 bilhões) e militares (R$ 43,2 bilhões).
Embora esses
números sejam do próprio governo, os militares negam esse déficit com o
argumento de que eles não têm um sistema previdenciário.
Para André
Gamerman, economista da ARX Investimentos, uma opção interessante seria
aumentar a contribuição do segurado militar, que hoje é de 7,5% da remuneração
bruta.
"A reforma dos
funcionários públicos como um todo passa por isso: se aposentar mais tarde e
contribuir mais", disse.
Cerimônia de transmissão de cargo a
Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa foi a única da qual Bolsonaro
participou fora do Planalto
Foto: AFP / BBC News Brasil
Gamerman diz que o
mercado financeiro se preocupa menos com as mudanças específicas dos militares
e mais com o possível impacto dessa medida para a aprovação de uma reforma mais
ampla.
"O mais
importante para o mercado é aprovar uma reforma em geral. Se disserem que
deixar os militares de fora vai facilitar para o regime geral, aí o mercado vai
dizer: então tá ótimo."
O economista
lembra, ainda, que a situação fiscal dos estados também exige que uma reforma
previdenciária contemple os servidores dessa esfera - inclusive policiais
militares e bombeiros.
Falta de pulso
A partir deste ano,
os militares passaram a ter a favor deles uma presidência composta por duas
figuras oriundas do Exército - Bolsonaro, capitão reformado, e o vice, general
da reserva Hamilton Mourão - e, portanto, mais sensível às causas da categoria.
Além da chapa eleita em outubro, Bolsonaro nomeou diversos colegas das Forças
Armadas para comandar órgãos públicos.
Marcelo Medeiros
critica a possibilidade de os militares ficarem de fora do esforço que as
outras categorias terão de fazer para o ajuste das contas públicas.
"Estamos em um momento em que exigiremos um esforço de todos, inclusive
dos militares. É falta de pulso o governo falar grosso com pedreiros e
faxineiras e afinar quando o assunto são militares."
Medeiros diz que a
maior parte dos militares se aposenta antes dos 50 anos e viverá até mais de
80. "Ou seja, [a maior parte] passará mais tempo aposentada do que
contribuindo. Isso é insustentável", afirmou.
"Estamos em um momento em que
exigiremos um esforço de todos, inclusive dos militares. É falta de pulso o
governo falar grosso com pedreiros e faxineiras e afinar quando o assunto são militares",
diz economista
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Para o
especialista, a reforma é uma necessidade inclusive para garantir orçamento
para a área de defesa.
"O Brasil vai
acabar gastando mais com aposentadorias do que com armamento. Não faz o menor
sentido ter militares bem aposentados e mal armados", diz.
A falta de clareza
sobre os termos da reforma que deve ser apresentada por Bolsonaro no início do
governo ainda é grande, segundo Medeiros. Ele alerta para a necessidade de
abranger toda a população e avalia que o principal problema no Brasil é a falta
de idade mínima, que permite que as pessoas se aposentem cedo demais.
"Até agora, o
governo atual está dando sinal de confusão. A gestão anterior deu sinal claro
de que faria reformas com mais força para afetar pedreiros e empregadas
domésticas. Mas tem que afetar todo mundo, não pode esperar que só os mais
pobres paguem a conta do controle fiscal."
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