Abin deixou Temer na mão em crise dos caminhoneiro
31 de maio de 2018
"Whats App está fora da capacidade "
Agência de Inteligência deixa Planalto 'vendido' na crise dos caminhoneiros
Temer não recebeu nenhum relatório de inteligência sobre a gravidade da
paralisação
Reunião do gabinete formado para acompanhar a paralisação dos caminhoneiros, no Planalto Marcos Corrêa/Presidência/29-05-2018 |
LETÍCIA FERNANDES / ROBSON BONIN
BRASÍLIA — Criada para gerenciar crises e alertar o presidente da República
sobre situações com “potencial de risco à estabilidade institucional”, a Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) não conseguiu detectar qualquer ato que pudesse
ter chamado a atenção do governo para a gravidade do movimento que estava
sendo arquitetado pelos caminhoneiros com o apoio financeiro de empresários
do setor. Nas palavras de um auxiliar presidencial, a Abin deixou o governo do
presidente Michel Temer completamente “vendido” e no “escuro” durante uma das
maiores crises de abastecimento do país.
Um auxiliar direto do presidente disse ao GLOBO que Michel Temer não recebeu da
agência nenhum relatório de inteligência sobre o caso e que as reuniões do governo
“já começaram em cima do incêndio”.
— Não é que o palácio tenha dormido no ponto. Ninguém no governo imaginava que
as empresas de transporte fossem atuar nos bastidores para transformar os atos em
uma tentativa de derrubar o presidente da Petrobras. As empresas operaram os
caminhoneiros para atacar a política de preços da Petrobras e ninguém na inteligência
nos avisou — disse.
A falta de atuação da Abin foi percebida na segunda-feira, durante a reunião do comitê
de crise instalado no Palácio do Planalto. O ministro do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República (GSI), Sérgio Etchegoyen, quis saber da
advogada-geral da União, Grace Mendonça, como estava a aplicação de multas a
empresas de transporte envolvidas na paralisação dos caminhoneiros. Até aquele
momento, disse a ministra, o órgão não havia processado nenhuma penalidade porque
ainda desconhecia a identidade dos infratores.
Contrariado, Etchegoyen pediu a lista de empresários envolvidos nas paralisações a
Janér Tesch, diretor da agência. Era o oitavo dia de bloqueios em estradas. Com
o país mergulhado no caos, Etchegoyen ouviu uma resposta constrangedora.
O serviço secreto brasileiro, encarregado de abastecer o presidente da República
de informações de inteligência, também não possuía uma lista de empresários a apontar.
Organizada a partir de grupos de WhatsApp, a greve dos caminhoneiros cresceu em
volume e só conseguiu chegar ao décimo dia, nesta quarta-feira, por causa do suporte
financeiro e logístico dos empresários do ramo de transportes. A Abin, além de
não identificar ameaças durante a organização do movimento, também não conseguiu
identificar o crescimento das paralisações.
— Nas reuniões, a gente perguntava para o pessoal da Abin o que aconteceria e eles
só diziam que melhoraria no dia seguinte. Só que não melhorou — diz um integrante
do comitê de crise.
Com um orçamento previsto para 2018 de R$ 670 milhões, de acordo com levantamento
feita pelo Contas Abertas a pedido do GLOBO, a Abin tem escritórios em todas as capitais
brasileiras e em 14 países. Até segunda-feira, a agência já havia gasto R$ 194 milhões
desse orçamento sem conseguir prever um único ato dos caminhoneiros organizado a
partir do WhatsApp.
— Esses caras da Abin são analógicos. Esse tipo de comunicação horizontal, feita
via WhatsApp, está fora da capacidade deles — diz um auxiliar da área de Segurança
do governo.
Por causa da ausência de informações de inteligência, o Palácio do Planalto acreditou
que estava negociando o fim das paralisações com um grupo de “líderes” sindicais
que, na verdade, não representavam a categoria. Na quinta-feira, anunciou um acordo
que acabou rejeitado pelos caminhoneiros.
Ao perceber o envolvimento de empresários nas paralisações, outros órgãos de
segurança, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal passaram a agir.
A PF anunciou a abertura de inquéritos para investigar empresários por locaute.
E a PRF, com a ajuda das Forças Armadas passaram a registrar placas de caminhões
nos bloqueios para identificar os proprietários e, com isso, levantar que empresas
dariam suporte aos grevistas. Foi a partir desse levantamento de placas que a PRF
conseguiu apresentar ao governo, nesta terça-feira, o primeiro relatório de multas,
com 718 autuações.
Diante da continuidade da greve, Temer foi obrigado a entrar pessoalmente no
gerenciamento da crise na manhã de sexta-feira. Um dia antes, ele havia cumprido
agendas oficiais no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, como se nada estivesse
acontecendo no país. Com o governo atordoado, Temer anunciou em um pronunciamento
no Planalto o emprego das Forças Armadas na desmobilização da greve. O ato acabou
inflamando o país e desagradando os militares, que foram chamados de última hora,
sem serem consultados a respeito da viabilidade da operação.
— Nesse processo de desgaste do governo, qualquer gripe vira pneumonia.
Para não agravar a situação, o comando orientou as tropas a negociar sempre,
sem violência. O caminho foi abrir os eixos de logística, garantir a retomada do
abastecimento de combustíveis e o bem-estar social — disse ao GLOBO um
general ligado ao comando do Exército.
Depois de Temer assinar um decreto nacional de Garantia da Lei e da Ordem
e ameaçar confiscar os caminhões dos grevistas, os relatórios de monitoramento
de redes sociais da Presidência mostraram um avanço no apoio dos brasileiros
ao movimento. A greve chegou a ter 90% de apoio dos usuários das redes no fim
de semana.
— A Abin falhou muito ao minimizar a ebulição desse movimento nas redes sociais.
Quando o governo viu, a situação já tinha saído do controle. A inteligência deveria
ter monitorado o tamanho disso nas redes — disse um auxiliar de Temer.
O número só começou a cair a partir do anúncio do governo de um segundo acordo,
quando o Palácio do Planalto decidiu aceitar todas as exigências dos caminhoneiros.
— A gravidade do desabastecimento de combustíveis e de alimentos no país, com
desdobramentos na área da saúde começou a pesar. As pessoas perceberam que,
com o atendimento das reivindicações, era chegada a hora de encerrar as manifestações.
O apoio nas redes caiu de 90% para 35% — disse um integrante do comitê de crise.
A Abin foi procurada, mas ainda não se manifestou.
MINISTRO DEFENDE ABIN
Em uma coletiva de imprensa na manhã desta quarta-feira, após a reunião do comitê
montado pelo governo para acompanhar a paralisação dos caminhoneiros, o ministro
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), saiu em defesa da Abin. Etchegoyen
disse achar que órgão não falhou e que todo o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin)
continua trabalhando no assunto:
— Não acho que a Abin tenha falhado. Acho que a Abin continua produzindo e vem
trabalhando muito bem nisso e todo o SISBIN estava e continua envolvido nisso —
disse o ministro do GSI.
De acordo com Etchegoyen, havia uma "percepção de inconformidade" mas houve
dificuldade em prever a "intensidade" e o "nível de violência" do movimento, considerado,
segundo ele, fora dos "parâmetros normais de análise e previsão":
— Óbvio que havia uma percepção de inconformidade, tanto que chegamos onde
chegamos, mas a dificuldade de prever estava na intensidade e agora no nível de
violência que o movimento tomou. Estamos analisando um situação que fugiu
completamente aos parâmetros normais de análise e de previsão. O movimento foi
descentralizado, não havia um sentimento de um foco de liderança aqui ou ali.
Os próprios líderes se manifestaram nessa direção - argumentou.
O Globo/UNPP
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