Segurança em jogo

28 Mai 2014

TENSÃO PRÉ-COPA

 

Irritada com cerco ao ônibus da seleção, Dilma exige mudança no esquema de proteção do Mundial

Antônio Werneck, Washington Luiz, André de Souza e Eduardo Barretto


RIO E BRASÍLIA - O incidente de anteontem no Rio com a delegação brasileira de futebol, que teve o ônibus cercado e tocado por manifestantes no primeiro teste da segurança da Copa do Mundo, irritou a presidente Dilma Rousseff e causará mudanças na segurança das delegações que virão para os jogos. Dilma pediu explicações e determinou que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o general José Carlos de Nardi, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, viessem ao Rio. Os dois chegaram ontem à tarde e se reuniram com o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, no Centro Integrado de Comando e Controle Regional. O encontro só deveria ocorrer hoje, mas foi antecipado.
Apesar de avaliar oficialmente que as medidas de segurança planejadas foram executadas, e que não houve riscos para a delegação brasileira, o Ministério da Defesa admitiu em nota enviada ontem ao GLOBO que, "diante dos acontecimentos, diversas outras medidas serão aprimoradas para evitar que fatos dessa natureza ocorram". A delegação da Austrália será, hoje, a primeira a chegar ao Brasil para a Copa.
Ontem, pelo segundo dia seguido, a segurança de eventos relativos à Copa apresentou falhas, dessa vez causando transtornos em Brasília e interrompendo a apresentação da Taça Fifa, que será entregue à seleção campeã mundial e estava sendo exibida no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. Um protesto de 1.000 pessoas, segundo a Polícia Militar (PM), parou a capital federal. Os manifestantes - índios e integrantes de organizações sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Comitê Popular da Copa - entraram em choque com a PM quando iam para o estádio. Com o tumulto, a exibição da taça, que iria até as 21h, foi suspensa no final da tarde. Das dez mil pessoas que a veriam ontem, só dois terços conseguiram.

PEDRAS E BOMBAS DE GÁS LACRIMOGÊNEO

Em Brasília, um policial foi atingido na perna por uma flechada. Ele recebeu tratamento e, à noite, já passava bem. A PM confirmou que um índio foi apeendido, mas liberado em seguida. Já o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse que quatro indígenas se feriram. A entidade acusou a polícia de ter começado a confusão. Participantes do ato afirmaram que três manifestantes foram presos, entre eles um do MTST. A informação não foi confirmada pela PM.
Cerca de 500 índios foram a Brasília com o objetivo principal de pressionar pela retomada da demarcação de terras indígenas. Por volta das 16h, eles se juntaram a outros manifestantes, concentrados na rodoviária do Plano Piloto para protestar contra os gastos da Copa. Eles seguiram para o Mané Garrincha. No caminho, houve o confronto com cerca de 600 homens da PM, quando a manifestação foi impedida de se aproximar do estádio.
Manifestantes atiraram pedras; a polícia revidou com bombas de gás lacrimogêneo. Os participantes do ato também tentaram impedir a passagem de um carro do Corpo de Bombeiros, o que levou a PM a jogar mais bombas contra eles. O trânsito no Eixo Monumental, via onde estão o estádio e os ministérios, entre outros importantes prédios públicos de Brasília, foi bloqueado nos dois sentidos, causando enormes engarrafamentos. Por volta de 18h, o grupo liberou a via e começou a voltar para a rodoviária.
Em nota, o governo do Distrito Federal (GDF) informou que a Secretaria de Segurança Pública "agiu estritamente dentro do protocolo previsto em casos de manifestações". Segundo o GDF, a operação foi eficiente, preservou a integridade física dos manifestantes e protegeu o grande público, "especialmente crianças, estudantes e idosos que estavam no evento de visitação à Taça da Copa do Mundo". Informou ainda que a manifestação "teve de ser contida no limite estabelecido para segurança dos visitantes". De acordo com o GDF, os policiais não usaram armas letais.
A Taça Fifa está exposta em um galpão montado ao lado do estádio. Em nota, a Coca-Cola, patrocinadora da Copa e organizadora da exibição, lamentou que o protesto "tenha impedido que centenas de pessoas que aguardavam na fila conseguissem visitar a Taça da Copa do Mundo". Informou que a exibição foi suspensa em nome da segurança de todos, por recomendação das autoridades públicas. A princípio, a exposição está mantida hoje, a partir de 9h.
Segundo o MTST, que participa do Comitê Popular da Copa, o ato era para protestar contra "violações e crimes da Copa, cometidos pela Fifa, pelos governos federal e do Distrito Federal e pelos patrocinadores e empreiteiros contra a população brasileira".

COMITÊ PROMETE MANIFESTAÇÕES A CADA JOGO

Um dos organizadores do protesto, Thiago Ávila, do Comitê Popular da Copa, disse que a PM prometera deixar os manifestantes chegarem perto do estádio, mas rompeu o acordo. Ele afirmou que mais protestos ocorrerão durante a Copa, em Brasília. A PM não se pronunciou sobre o suposto acordo nem sobre o confronto.
- Em cada jogo do Brasil, vamos às ruas protestar por mais Saúde, Educação, melhoria nos serviços públicos e reforma agrária. Vamos nos articular para que esse movimento se estenda para outras cidades - disse Thiago.
Antes de seguirem rumo ao estádio, os manifestantes promoveram um julgamento da Fifa na rodoviária. O ato durou pouco mais de uma hora e terminou com a entidade condenada a deixar o país e a devolver vários bilhões ao Brasil e à África do Sul, país-sede da Copa de 2010. Segundo os organizadores do "julgamento", eles iriam entregar a sentença à Fifa no Mané Garrincha. Na sexta-feira, está prevista nova manifestação em Brasília, que deve partir do Museu Nacional, no começo da Esplanada dos Ministérios, até o estádio.
Os protestos dos índios começaram de manhã, quando eles protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra os deputados Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS), acusados de racismo e incitação ao ódio. Em vídeo gravado em novembro de 2013 e divulgado em fevereiro deste ano, Heinze disse que quilombolas, índios, gays e lésbicas "não prestam".
Mais cedo, por cerca de meia hora, a marquise do Congresso foi ocupada por cerca de 300 indígenas. Durante o protesto, eles se manifestaram contra a atuação do governo na questão fundiária. Deixaram o local de forma pacífica e seguiram em direção do Ministério da Justiça.
A assessoria de Moreira criticou a denúncia por racismo, uma vez que o parlamentar atacou a política indigenista do governo, sem fazer declarações de cunho racista, como Heinze. Os índios também protestaram no Congresso, contra a tramitação de projetos que, na visão deles, dificultarão a demarcação de suas terras. Também protestaram diante do Palácio do Planalto. Na próxima sexta-feira, está prevista nova manifestação até o Mané Garrincha.

ESQUEMA NO RIO FALHOU

A segurança da Copa é dividida em três níveis: Defesa, com as Forças Armadas à frente; Segurança Pública, coordenada pela Polícia Federal, com apoio da segurança pública local; e Inteligência, liderada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). No caso do incidente com o ônibus da seleção brasileira, na opinião de pessoas ligadas ao planejamento, as falhas verificadas no Rio ocorreram nos dois primeiros eixos, já que o setor de Inteligência informou que haveria manifestantes na chegada da delegação brasileira à cidade, tanto no aeroporto, no hotel, como na Granja Comary, em Teresópolis.
- Seria péssimo para a imagem dos jogos, do Brasil e do Rio, que um incidente igual ocorresse na chegada dos convidados. Por exemplo: que a delegação inglesa ficasse em meio a uma manifestação no caminho do treino - afirmou um oficial do Rio envolvido na segurança do evento.
O cerco à delegação brasileira pelos manifestantes assustou os jogadores, mas atingiu principalmente a presidente Dilma Rousseff: levando em consideração o retorno que recebeu dos responsáveis pela segurança do evento, ela assegurou, em recente jantar com jornalistas esportivos no Palácio do Planalto, que ninguém iria encostar a mão nas delegações das seleções.
No planejamento da segurança da Copa, só o Rio terá 20 mil homens das forças de segurança federal, estadual e municipal mobilizados para atuar durante todo o evento. Um efeito tão grande tornou ainda mais difícil aceitar que a seleção tenha passado por cena tão constrangedora: eram cerca de 70 pessoas, entre professores das redes municipal e estadual, que estão em greve, e apoiadores do movimento. Apenas 30 policiais estavam presentes no local.
- A segurança não funcionou. Ficou claro. O plano de segurança, por melhor que seja, é inútil se não for efetivamente executado. O material humano empregado na operação precisa estar devidamente equipado, treinado e motivado. A polícia, em um caso como esse, precisa usar os meios mínimos necessários em diferentes gradações de uso da força legal, de modo preventivo e/ou repressivo, não perdendo nunca o controle da situação, como aconteceu ontem - afirmou o delegado federal aposentado Antônio Rayol, que coordenou grandes encontros de chefes de Estados no Rio, como a Conferência Mundial de Meio Ambiente, a Rio-92.

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