Ele voltou - O cara da PONTE -Entrevista com Vinicius Feliciano .
Entrevistado em sua residência pela Revista Sociedade Militar,
Vinícius Feliciano se mostra um homem bastante racional, bem informado e
ciente de suas responsabilidades como cidadão. Após ter descido de
rapel na ponte ele foi preso pela polícia rodoviária federal, e sua
fotografia, fardado e usando algemas, apareceu em vários jornais do
país. O
uso das algemas deixou muita gente indignada, e isso foi bastante
explorado pela mídia. Já a faixa que exibiu em sua manifestação não foi
tão mencionada. Contudo, apesar da ação incrível que realizou, ele
insiste em dizer que se considera um homem comum. Como todos os seus
colegas de farda o sargento cumpre as suas obrigações para com o
Exército, mas não abre mão do direito de se informar, e de ter uma
opinião própria.
Ele acha que não só os militares,
mas toda a sociedade tem o dever de prestar atenção ao que ocorre no
país. Por esse motivo, política, economia e geopolítica são assuntos que
ocupam bastante espaço em sua mente.
Como a maioria dos militares das
grandes cidades, o jovem sargento reside bem longe do quartel. Trabalha
na Urca e mora na região oceânica de Niterói. Usa diversas conduções e
gasta várias horas no trajeto casa x trabalho x casa. Mas ainda assim,
sempre otimista, se considera um privilegiado pelo que já conquistou.
Família, amigos e a região onde reside, uma das mais agradáveis do Rio
de Janeiro, lhe dão oportunidade de levar uma vida prazerosa, e o
incentivam a acreditar em um futuro melhor.
Com apenas 29 anos, Feliciano já é um
historiador. Além da graduação em história, ele concluiu cursos sobre
administração financeira, assessoria em investimentos etc. É um
representante clássico do fenômeno conhecido como intelectualização dos
militares subalternos (Livro Militares pela cidadania *). Os militares
de sua geração já vieram politizados de casa, cresceram num mundo onde
já havia a internet, redes sociais, o direito de escolher seus próprios
representantes, e de cobrar dos mesmos a honestidade e o cumprimento de
seus compromissos de campanha.
A conversa com Feliciano reforça nossa convicção de que as forças
armadas passam por um período de transição, e fez-nos ver que a
juventude que agora ocupa os mais diversos postos e graduações nessas
instituições tem uma mente inovadora, raciocinam e interagem na
velocidade dos processadores de última geração, e já são a causa de
muita coisa estar mudando para melhor. Para Feliciano os dias de hoje
oferecem uma oportunidade ímpar para pessoas normais operarem mudanças
de grande impacto em seus campos de atuação.
Você gosta do Exército? Vinícius Feliciano: Sim, gosto do Exército tanto quanto gosto de desafios, lutas e aventuras.
A manifestação que você fez gerou algum fruto positivo?
Vinícius Feliciano: A
meu ver serviu para relembrar e reafirmar às autoridades a insatisfação
com nossa remuneração. Antes da água ferver pequenas bolhas começam a
subir, o que fiz foi apenas uma pequena bolha numa água muito quente.
De onde vem motivação para tanta fé de que pode ajudar a mudar para melhor o futuro?
Vinícius Feliciano: Eu
me formei em História e quando estudamos história aprendemos que no
passado pessoas comuns foram responsáveis por grandes mudanças. Não sei
se essa informação é boa ou ruim, mas nos dá a fé e a motivação para a
luta. O que fiz foi como lançar um fósforo num palheiro. Guerreiros de
verdade não entram somente em combates vencidos, guerreiros de verdade
se envolvem em lutas com grades chances de resultados negativos, mas a
fé no positivo os impulsiona.
Pra essa pergunta eu tenho uma frase
de Gandhi: "Você nunca saberá que resultados virão de sua ação. Mas se
não fizer nada, não existirão resultados."
Conversamos um pouco com Feliciano sobre
representação política dos militares e as mudanças propostas pela nova
Estratégia nacional de defesa.
Revista Sociedade Militar: As
forças armadas, conhecidas como as instituições mais confiáveis do
nosso país - e também as mais tradicionais - parecem ter mantido a maior
parte de suas rotinas e tradições seculares quase intocadas. Mas, o que
têm de mais importante, seu material humano, obviamente não permaneceu
estacionado no tempo. Regulamentos rigorosos e leis quase sempre por ser
adaptadas ao contexto atual não conseguiram impedir a grande mudança
operada na mentalidade dos graduados, e a politização foi inevitável.
Politização não significa exatamente ser filiado a um partido político,
ou participar de manifestações de rua. Ser politizado é muito mais do
que isso, significa estar atento e pronto para intervir de forma sensata
no quotidiano. Como se sabe, militares da ativa, por não serem
obrigados a cumprir o requisito de filiação partidária, tem um prazo um
pouco maior para se candidatar. Perguntamos então se a notoriedade que
alcançou fez surgiu alguma pretensão política. Vinícius respondeu com
humildade, disse que a partir do acontecimento na Ponte tem conhecido
muita gente, aprendido muito com essas pessoas, e que está aguardando
mais um pouco para decidir sobre isso.
Sobre Bolsonaro: "por mais que ele faça coisas boas e que às vezes cometa algum erro, como qualquer ser humano, uma coisa é certa, sozinho a luta deve ser difícil".
Revista Sociedade Militar. As
forças armadas têm um grande efetivo em atividade, e muito mais na
reserva, somem-se aí seus dependentes e círculos de influência. Supõe-se
que isso seria suficiente para que os militares possuam vários
representantes no legislativo federal. Posto isso, você acha que os militares são bem representados na política?
Vinícius Feliciano: O
expediente é longo, a viagem para casa também é, e depois de tudo temos
que dar atenção à família. Mas como quem está com fome sempre dá um
jeito de comer, eu estudo e leio tudo que posso, mas acabo "filtrando"
pouca coisa da política brasileira (no que diz respeito aos militares).
Com isso não tenho conhecimento de algum militar ocupando cargo de
deputado federal, senador, governador de estado ou outro cargo de
relevância nacional, exceto o Deputado Federal Jair Bolsonaro. Sobre ele
ouço tudo. Que perdeu o foco e só sabe falar de Homossexuais, que bate
em comunistas etc. Mas também já vi vários vídeos onde ele se posiciona
muito bem e demonstra muita coragem.
Fomos formados na Escola de Educação Física do Exército, de lá sai gente muito boa!
Enfim, por mais que ele faça coisas
boas e que às vezes cometa algum erro, como qualquer ser humano, uma
coisa é certa, sozinho a luta deve ser difícil.
Revista Sociedade Militar: A
estratégia nacional de defesa, recém aprovada (2008), propõe uma nova
orientação para a Defesa Nacional, e essa nova orientação parece
implicar em grandes mudanças estruturais em vários níveis, inclusive na
cultura organizacional das Forças Armadas, e logicamente, no perfil dos
militares. Nessa questão, uma das propostas que nos chama mais atenção é
o incentivo para que as capacidades dos militares graduados sejam cada
vez mais valorizadas, inclusive com a recomendação para incentivar o
subordinado a exercer a iniciativa na ausência de ordens específicas
(*). Isso tudo, no nosso ponto de vista, valoriza bastante os
graduados e seria uma significativa mudança cultural. O militar
subalterno agora, além de saber cumprir ordens, deve ser incentivado a
tomar a iniciativa.
O que você acha dessa proposta da Estratégia Nacional de Defesa?
Vinícius Feliciano: A
valorização das praças é ótima! Ótima na teoria, mas na pratica a
maioria dos companheiros está mais interessada no próximo edital para o
concurso da policia federal. Isso é como oferecer uma boa cama a um
mendigo faminto. Ele quer saber de comida, a cama é secundária. A
valorização das praças é uma conseqüência natural do crescimento
intelectual da classe. Essa valorização aconteceria mesmo sem ser
incentivada na estratégia nacional.
A valorização é importante e muito bem vinda, mas não é com ela que sustentamos nossas famílias.
Revista Sociedade Militar.
A resposta de Feliciano certamente é embasada no que vê no dia-a-dia.
Muitos jovens militares fazendo seu trabalho com presteza, realizando
atividades peculiares e muitas vezes arriscadas. Porém, com a mente
focada em passar em algum concurso público, e deixar as forças armadas.
Por isso ele acredita que a questão salarial é primordial. Cada militar
possui uma família, e inúmeras necessidades. Ele nos disse que já viu
vários colegas abandonarem o Exército depois de aprovados em concursos
públicos. “Alguns ex-sargentos hoje recebem mais de 10 mil reais”,
realizando na vida civil tarefas muito tranqüilas e que nunca
oferecerão riscos à sua integridade física. Contudo, apesar de
presenciar tudo isso, Feliciano nos surpreende, e diz que não pretende
sair do Exército Brasileiro.
Pra terminar, o que você espera do futuro? Vinícius Feliciano: Não
espero um bom salário, espero um salário justo. Esta é minha luta.
Espero alcançar esse objetivo num futuro breve. Mas estou preparado para
uma guerra longa. Preparado para lutar sozinho. Com esperança de
encontrar outros guerreiros pelo caminho. Já encontrei alguns guerreiros
cansados. Eu não estou cansado. Estou apenas começando!
"Você nunca saberá que resultados
virão de sua ação. Mas se não fizer nada, não existirão resultados.",
Vinicius Feliciano - sargento do Exército brasileiro, historiador.
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