Preparação de equipes de alta performance sob estresse .
27 de Novembro, 2013 - 11:11 ( Brasília )
SOF
Coronel (r) do EB Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro
O Cérebro humano é o dispositivo mais complicado que se tem notícia. Aprendeu-se mais sobre ele nos últimos 5 anos do que em toda existência da civilização.
Ele gerencia todos nossas atividades
vitais. Ao longo da evolução da raça humana esse órgão duplicou de
tamanho. Apesar de pesar menos de 1,5 Kg, consome 1/5 da energia do
corpo. Alo longo dos milhões de anos, o cérebro evoluiu recebendo outros
anexos e conexões sobre sua estrutura inicial.
A parte mais primitiva é o tronco
encefálico, também presente nos répteis e outros animais. Nos mantém
vivos e controla funções vitais como batimento cardíaco, digestão,
pressão sanguínea e outras coisas que fazemos automaticamente sem
pensar.
Centenas de milhares de anos depois foi
acrescido o sistema límbico, onde ficam as amigdalas, pequenas como duas
amêndoas. Elas transmitem nossas reações emocionais ao cérebro. Uma das
emoções mais simples, primitivas e fortes é o medo.
Tive oportunidade de participar e
conduzir por um bom tempo a formação dos Comandos, Forças Especiais e
Guerreiros de Selva do Exército, onde os alunos são preparados para
modificar a forma como o cérebro reage ao medo. Desde o início os alunos
são submetidos a uma situação de pressão psicológica intensa visando a
provocar o caos em suas mentes. O objetivo é submetê-los a uma situação
de simulação de estresse de combate.
Foi observado que a maioria dos erros em
combate está associada ao medo e ao pânico. Assim sendo, deduz-se que a
capacidade de controlar esses impulsos seja extremamente importante.
Como os militares que frequentam esses cursos estão sendo formados para
as missões mais difíceis, perigosas e de altíssimo risco, os cursos são
extremamente rigorosos. Em consequência, é muito grande o número de
candidatos eliminados ou desistentes ao longo do processo de seleção e
de formação.
Normalmente os alunos concludentes
demonstram maior capacidade em ajustar a forma de pensar às exigências
das atividades e respectivas pressões. Nem sempre são os alunos com
melhor preparo físico que chegam ao final. Recordistas de natação,
pentatlo, atletismo e medalhistas em outros esportes muitas vezes
desistem durante algumas atividades extenuantes enquanto pessoas com
performance física mais mediana mantêm a determinação de prosseguir no
treinamento que envolve situações extremas de frio, dor, fome, sede,
sono e o acabam concluindo.
As amígdalas tendem a levar
instintivamente a um estado de pânico face às situações de medo. Elas
enviam sinais ao tronco encefálico usando suas conexões. Sempre que o
medo estiver presente, a ansiedade se manifestará em sua plenitude, seja
em sinais físicos, seja em sinais psíquicos. A partir daí, várias
reações podem ser manifestadas no organismo: taquicardia, respiração
acelerada, sudorese, calafrios, tremedeira, boca seca, tontura,
formigamento nos pés e mãos dentre outros sintomas.
O treinamento de contra terror das Forças
Especiais é realizado sob pressão. Os alunos são treinados para
identificar os alvos com precisão e realizar o disparo quando
necessário, controlando os impulsos de estresse enviados pela amígdala.
O treinamento é gradativo. Na fase final,
pode ocorrer o incremento de outras variantes como gás lacrimogêneo no
recinto, treino com máscara e pouca visibilidade. Alguns treinadores ou
integrantes da equipe ficam misturados aos alvos, e a execução é
aleatória, exigindo maior atenção e os erros não podem ser tolerados. Às
vezes, a reação correta é rápida e letal, outras vezes é apenas
identificação do refém e controle do impulso de atirar.
A preparação de combate corpo-a-corpo é
outro evento em que os alunos aprendem a controlar suas reações e testar
sua rusticidade, resistência e agressividade sob estresse extremo. Na
fase final dessa atividade, os alunos são levados a uma situação de
exaustão e precisam identificar instantaneamente a qual ameaça estão
sendo submetidos para aplicar vigorosamente a técnica adequada na
defesa. Faz parte da avaliação o controle de agressividade, do cansaço e
correção de movimentos.
Outra atividade em que o aluno é
submetido intensamente a treinamentos exaustivos é o paraquedismo, pois
necessita contrariar o instinto de preservação e se atirar no vazio. A
sistemática busca automatizar procedimentos e reações possíveis para as
diferentes emergências a que o paraquedista possa ser exposto. Nesses
casos, o tempo que o militar tem para salvar sua vida é mínimo. Qualquer
hesitação devido ao medo na tomada de decisão pode ser fatal.
Essa lapidação da reação dos combatentes
só é possível porque o córtex frontal, outra parte do cérebro humano,
também processa o medo. O córtex caracteriza uma maior evolução humana e
surgiu após as amígdalas. Ele é a camada externa do cérebro, fina e
enrugada, que pode chegar a ser quatro vezes maior que o dos outros
primatas.
Foi descoberto que as informações dos
nossos sentidos chegam às amígdalas com o dobro da velocidade que
demoram para chegar aos lobos frontais. A diferença de velocidade dos
sinais significa que sabemos reagir instintivamente a uma ameaça, caso
contrário, ficaríamos paralisados de medo esperando os lobos frontais
decidirem a reação correta.
Por trás do medo e do pânico está o
desconhecido, não saber o que fazer. O cérebro paralisa, como um jacaré
paralisa ao ver um facho de lanterna. A amígdala pode enviar sinais de
medo muito velozes, mas nem sempre são corretos. Tão logo você percebe
que a situação não corresponde a uma ameaça a volta à calma ocorre
naturalmente.
O objetivo desse tipo de treinamento
consiste em controlar os sinais emitidos pela amígdala através do lobo
frontal, ou seja, de forma racional. Aprende-se a minimizar o retardo
nas reações à situação de estresse, gerando movimentos/comportamentos
instantâneos.
O Século XXI já vem sendo caracterizado
pelo grande crescimento do emprego de Forças de Operações Especiais,
assim sendo, os três principais centros de formação desses recursos
humanos no Brasil (Centro de Instrução de Operações Especiais, Centro de
Instrução Paraquedista e Centro de Instrução de Guerra na Selva) estão
em constante busca da excelência na instrução e aperfeiçoamento dos
processos de ensino.
Nos módulos de mergulho de treinamento
das Forças Especiais aprende-se a controlar o medo da falta da
respiração. O ser humano, ao longo de sua evolução, foi programado para
temer situações sob a lâmina d´água. Por isso, é necessário muito
autocontrole para conter o impulso de emergir e respirar.
Os alunos são preparados gradativamente
para realizar tarefas subaquáticas complexas. Inicialmente realizam-nas
fora d´água sem tempo, depois com tempo e então passam a enfrentar
situações críticas totalmente imersos. Eles são submetidos a atividades
planejadas que são conduzidas por um instrutor interrompendo seu fluxo
de ar de diversas formas, escondendo as válvulas reguladoras, promovendo
cambalhotas, arrancando a máscara e dando nós no seu equipamento em
ataques contínuos que podem levar mais de quinze minutos enquanto são
avaliados e observados em suas reações.
O aluno ansioso aumenta rapidamente o seu
consumo de oxigênio, reduzindo sua capacidade de raciocínio e o tempo
disponível para solucionar os problemas. Dependendo do desempenho do
aluno, ele pode chegar a passar metade do tempo sem ar. Por mais que
tenham aprendido e treinado a fazer isso fora d´água, praticar sob essas
condições é extremamente difícil e reprova os alunos que não aprendem a
lidar com o estresse sob essas condições.
Quando o aluno começa a ficar sem ar,
suas amígdalas acionam o “botão” de pânico, que o impele a emergir. O
córtex cerebral precisa controlar esse impulso para que o combatente
continue autocontrolado. Nesse processo, o estudante tem que segurar a
respiração muito além do normal enquanto a equipe de instrução avalia
seus comportamentos.
Os impulsos nervosos emitidos pelo
cérebro se deslocam a mais de 400Km/h e sob estresse as amígdalas
liberam adrenalina e cortisol na corrente sanguínea, preparando o
organismo para agir emergencialmente. Esses hormônios aceleram a
respiração e o batimento cardíaco, elevam a pressão sanguínea, deixam os
sentidos mais alerta, a memória mais aguçada e o corpo menos sensível à
dor, mas mesmo assim, esse teste de competências subaquáticas é muito
difícil. O maior inimigo do aluno nesse exercício é o pânico, que o leva
a perder o controle debaixo d´água.
Em todas as situações citadas acima, o controle do medo é fundamental para o êxito no treinamento.
Verificando entre os concludentes desse
tipo de treinamento, observou-se que quase todos eles balizam seu
comportamento usando quatro ferramentas mentais que os ajudam a
controlar o estresse mesmo nas situações mais extremas:
1. Estabelecimento de objetivos intermediários
2. Mentalização
3. Desenvolvimento da autoestima
4. Controle de respiração
O estabelecimento de objetivos auxilia os
lobos frontais, que são os supervisores do cérebro. Com isso, é
facilitado o raciocínio e o planejamento. Concentrar-se em metas
específicas permite que o córtex mantenha as amígdalas sob controle. Os
alunos costumam estabelecer prazos simples como: “vou chegar até a
próxima refeição”, ou “até a próxima liberação”, e assim por diante. O
importante é ele focar nesses objetivos intermediários e se manter firme
nas convicções.
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