Comandante do Exército fala sobre vencimentos dos militares: 'Deveriam estar no topo".
28 de setembro de 2015
Comandante do Exército fala sobre vencimentos dos militares: 'Deveriam estar no topo". E ri dos pedidos de "intervenção militar constitucional"!
"Não cabem atalhos na Constituição", diz comandante do Exército Villas Boas
"Não há hipótese de os militares voltarem ao poder", declara o general
Ana Dubeux , Carlos Alexandre / , Leonardo Cavalcanti / , Nívea Ribeiro /
O
gaúcho Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, 63 anos, é o chefe de 217 mil
militares. Comandante do Exército desde o último mês de fevereiro, ele
enfrenta duas das missões mais difíceis de uma carreira iniciada em
1967: o corte orçamentário que atinge os projetos definidos como
estratégicos pela Força e a ausência de reajustes da categoria.
“Corremos o risco de retroceder 30, 40 anos na indústria de defesa”,
disse Villas Bôas. Durante entrevista exclusiva na manhã da última
sexta-feira, o general também lamentou a defasagem dos rendimentos da
tropa, principalmente se comparados aos de outras carreiras.
Villas Bôas teme que todos os projetos estratégicos — que incluem defesa
antiaérea e cibernética, proteção das fronteiras, renovação da frota de
veículos — se percam por falta de dinheiro. Ao longo de 90 minutos, no
gabinete principal do Quartel-General do Exército, Villas Bôas falou
pela primeira vez com um veículo de imprensa. Ele disse não haver chance
de os militares retomarem o poder no Brasil, elogiou o ministro da
Defesa, Jaques Wagner, e disse que o país precisa de uma liderança
efetiva no futuro. “Alguém com um discurso que não tenha um caráter
messiânico — e é até um perigo nessas circunstâncias. Alguém que as
pessoas identifiquem como uma referência.”
Programas das Forças Armadas, mais especificamente do Exército,
sofrerão cortes drásticos. Como o senhor avalia essa dificuldade?
Com preocupação. A situação financeira que a gente tem ouvido é que o
ano que vem será tão ruim quanto este. E 2017 também será um ano muito,
muito ruim, seguido de um período razoável de crescimento muito baixo.
Isso indica que não vão haver mudanças significativas no orçamento.
Estamos correndo o risco de retroceder 30, 40 anos quando uma indústria
de defesa era a oitava do mundo, tinha conquistado mercados externos,
mas se perdeu praticamente toda. A gente corre o risco de isso vir a
acontecer novamente, porque nesses anos os projetos ficaram no mínimo
para não serem descontinuados. Mas, se isso prosseguir, acredito que as
empresas não terão condições de manter projetos. E a perda é muito
grande.
Qual é o risco imediato?
O Guarani é um programa de longo prazo, de um custo total de R$ 20
bilhões. Íamos comprar 1.200 carros, mas, neste ritmo dos cortes
orçamentários, de adquirir 60 carros por ano, vamos levar 20 anos. O
ciclo de implantação não será concluído e já estará obsoleto.
Atravessamos um período de 30 anos de penúria orçamentária. Com isso, o
Exército foi se esgarçando, porque não é da nossa natureza dizer não. Se
se estabelece que é necessário o cumprimento de alguma tarefa, vamos
cumprir. Nós nos acostumamos a matar um leão por dia, mas perdemos a
capacidade de pensar a longo prazo, estrategicamente. Até que veio o
governo do presidente Lula e essa série orçamentária que era declinante
se reverteu e começou a melhorar.
Com o ministro Nelson Jobim?
O marco foi quando o presidente Lula chamou o ministro (Nelson) Jobim
para o Ministério da Defesa e disse: “Sua missão é colocar a defesa na
pauta de discussão nacional”. E, aí, o ministro Jobim, com o ministro
Mangabeira Unger, elaborou uma Estratégia Nacional de Defesa, um marco
na história da defesa. Pela primeira vez, o poder político disse aos
militares qual era a concepção de Forças Armadas, o que entendiam como
necessário para o Brasil. Por exemplo, a estratégia nacional de Defesa
determina que o Exército deve cumprir a estratégia da presença,
principalmente na Amazônia. Sempre estabelecemos que a nossa estratégia
da Amazônia era a presença. Por uma coisa autoimposta. Porque a gente
entendia que era a maneira adequada de tratar o tema. Mas, com a
estratégia, isso teve um efeito especial, porque há uma contrapartida.
Tive condições de apresentar a nota para o governo. Outra mudança
importante foi em relação aos projetos estratégicos. É importante que os
recursos das Forças Armadas tenham previsibilidade e regularidade,
porque não adianta ter um volume grande de recursos num ano e, no outro,
não ter. Com a estratégia nacional de Defesa a gente pôde fazer uma
reestruturação interna do Exército.
Como assim?
Em 2010, houve o terremoto no Haiti, em 12 de janeiro. Já estávamos no
Haiti. Imediatamente a ONU pediu que o Brasil dobrasse o efetivo. Eram
mil e poucos homens e pediram que a gente dobrasse o efetivo. Isso
custou três semanas para reunir um batalhão para levar para o Haiti.
Veja que um Exército de 200 mil integrantes levar três semanas para
organizar um batalhão para ir para o Haiti — isso porque a gente já
estava lá — não podia ser assim. Aquilo foi uma gota d’água. Um Exército
como o nosso, de um país como o nosso, tem que estalar os dedos e
deslocar um batalhão nas áreas de interesse estratégico, em 24 horas, 48
horas. Então isso foi um alerta que ligou e começamos um processo de
transformação. A Marinha e a Aeronáutica saíram na frente, porque eles
estavam acostumados a grandes projetos, como no caso dos projetos dos
aviões. A Marinha já vinha tratando do projeto do submarino. E a gente
se estruturou para gerenciar esses sete grandes projetos que agora é que
estão amadurecendo. Ainda estamos na fase de operação, e vamos ter essa
interrupção.
É uma frustração?
É uma reversão de uma expectativa extremamente positiva.
O Brasil defende uma presença no Conselho de Segurança e, no ntanto, as Forças Armadas sofrem restrições. Não há incoerência?
Um país como o Brasil, que hoje é a oitava economia do mundo,
naturalmente tem assumindo uma liderança regional, na América Latina,
expandindo a sua área de interesse, pleiteando assento no Conselho de
Segurança da ONU. Um país que pretende atingir esse patamar tem de ter
capacidade de fazer o que se chama de projeção de poder. Precisa ter
presença diplomática, econômica. Preciso ter presença política,
capacidade de influência, e tudo respaldado por uma capacidade de
presença militar. E isso pressupõe projeções de força. O país projeta
poder e essa projeção de força cabe às Forças Armadas. Estamos
caminhando nessa direção, de adquirir essa capacidade de realizar a
projeção de força. E agora se vê interrompido. Pelas projeções que se
fazem hoje, antes de 2035, tudo que foi concebido agora estará obsoleto.
Isso que está acontecendo não afeta apenas o Exército. Afeta um projeto
de um país. O Brasil tem uma conjuntura estratégica peculiar. São
poucos países que vivem essa preocupação, como a China, a Índia, a
Rússia. Vivemos em pleno século 21 com metade do nosso território não
ocupado, não integrado, não articulado, com a população não dispondo de
infraestrutura social e econômica para atender às necessidades. E a
única capacidade de atendimento das necessidades básicas da população
está nas Forças Armadas. Isso exige de nós estar espalhados, com
capilaridade no território. Com isso, temos dificuldades para trocar
quantidade por qualidade. Temos que adquirir qualidade, mas, ao mesmo
tempo, manter a quantidade, essa presença que temos em muitos lugares.
Por exemplo, na Amazônia, a nossa presença física, um pelotão especial
de fronteira, está delimitando o espaço da soberania brasileira. Até
coisas básicas ela cumpre hoje. Por exemplo, as comunidades indígenas,
numa grande área, dependem do atendimento médico do Exército.
O senhor atribui essa dificuldade no corte do orçamento a uma ngerência política?
Não. Atribuo à crise econômica que o país está vivendo. A partir do
momento em que o Brasil apresentou esse orçamento pressupondo um
deficit... A gente tem a consciência da realidade do país. Essa é uma
característica nossa. O Exército tem uma interface com a sociedade.
Passamos tempo na favela da Maré, a gente conhece a realidade das
pessoas. E o Brasil é um país com muitos problemas de desigualdade
social, de falta de infraestrutura. Eu não queria estar no lugar do
governo, na área econômica, porque eu vejo a dificuldade que eles têm. O
Ministério da Saúde, com todos os problemas, sofreu um corte de R$ 12
bilhões. Eu não vejo intenção política de prejudicar as Forças Armadas.
A oposição atribui ao fato de o ministro Jaques Wagner estar voltado para negociações políticas a falta de atenção com a Defesa.
Devo confessar que o Ministério da Defesa fez um bom trabalho na
negociação do orçamento. Apesar dos problemas econômicos, eles
conseguiram preservar programas. Poderia ter sido pior. Preciso admitir
que foi um trabalho intenso e consistente. E foi uma das melhores
negociações de orçamento que a gente já viu.
O Exército cada vez mais assume funções sociais, como saúde,
segurança. Quando o poder público civil falha, chama-se o Exército. O
senhor considera essa função atípica?
Essa questão está sempre presente nos nossos fóruns. São dois polos. Um
polo é aquele que o Exército e as Forças Armadas se destinam apenas à
defesa da Pátria, ou seja, o Exército ficaria só para fazer guerra. O
outro polo é de gente que acredita que o Exército virou uma empresa de
prestação de serviços. Mas, na verdade, o que se vê na tendência mundial
é que as Forças Armadas têm de estar em condições de atender às
demandas da população.
Então estamos no caminho certo?
Sim, estamos no caminho certo. O nosso projeto do Sisfron (Sistema
Integrado de Monitoramento de Fronteiras) não é um sistema para
capacitar o Exército a realizar aquelas tarefas de combater o crime
organizado, o narcotráfico, de armas ou contrabando. Não. É uma
estrutura para que o Exército proporcione às instituições responsáveis
por aquelas tarefas condições de realizá-las.
Nesse momento crítico, a questão dos salários é uma coisa forte...
É um problema grave. Se colocarmos ou fizermos um ranking dos salários das polícias militares, o Exército estará no meio.
E deveria estar aonde?
Deveria estar no topo. É um parâmetro. O que o governo tem despendido
para o pagamento de pessoal das Forças Armadas vem decrescendo em
relação a outros setores. Já estávamos achatados, e agora a tendência é
mais ainda, o que só se agrava, porque o aumento viria até janeiro do
ano que vem escalonado. E já foi adiado por sete meses. É um esforço que
está sendo realizado por todo o país, só que surpreende quando a gente
vê categorias ganhando aumento substancial num momento como esse. Isso,
claro, aumenta a frustração interna.
O senhor fica sem discurso.
Claro.
E também perde gente capacitada.
A procura pelas Forças Armadas oscila pouco, mas é sempre alta. E nós
temos dificuldade de conhecimento, a evasão aumenta nos setores de
mercado, por exemplo em áreas técnicas, de engenharia, saúde. Isso é
mais um dos efeitos negativos da frustração que os cortes dos projetos
causam. Um engenheiro se envolve num projeto como se esse aquilo fosse a
vida dele, com paixão. (Com os cortes), ele fica mais suscetível a esse
tipo de atrativo externo do mercado.
Qual é o ponto de vista do Exército em relação à descriminalização das drogas?
O combate às drogas nas cidades não é atribuição nossa. Mas tomo como
referência a posição de duas instituições importantes. Em primeiro
lugar, as polícias, que fazem a linha de frente e sofrem com isso. Elas
entendem que vai haver uma piora. Até porque já há a descriminalização.
Vai se criar uma elasticidade maior, o que será mais difícil ainda de
coibir. E o outro é a área médica. Conversei com o presidente da
Associação Brasileira de Psiquiatria. Ele está muito preocupado em
relação à descriminalização. Diz que, muito provavelmente, vai aumentar o
índice de suicídios. O Exército não se pronunciou institucionalmente.
Pessoalmente, me balizo e me manifesto por essas orientações. Mas
confesso que, como está, não está bom.
O que o senhor quer dizer?
Se me perguntarem qual é a maior ameaça à segurança do país, digo que é o
tráfico de drogas. Porque temos uma fronteira de quase 17 mil
quilômetros. Estados Unidos e México têm 3 mil quilômetros de fronteira,
e o governo americano, com todo aquele aparato policial e tecnológico,
não consegue vedar. Imagine o que é para nós. Temos um país vizinho que é
produtor de cocaína e maconha. Somos o segundo maior consumidor do
mundo e somos corredor de passagem. Nós, do Exército, estamos muito
preocupados pela iminência de que haja plantio de coca dentro de nosso
território, porque foi desenvolvida uma variedade adaptada ao clima
quente e úmido da Amazônia baixa. Então, junto à fronteira brasileira,
está repleto de plantio de coca. Para isso passar para nosso território,
é um pulo. Então há essa preocupação muito grande para que não nos
tornemos também produtores de coca, porque isso altera nossa posição,
juridicamente, no ambiente internacional. O tráfico na Amazônia ainda é
pouco organizado, mas está caminhando para se organizar. As grandes
organizações criminosas de Rio e São Paulo estão chegando lá. Em Manaus,
surgiu uma grande organização, chamada Família do Norte, que faz a
interface das produções dos países vizinhos com o comando de São Paulo.
Na fronteira com os países vizinhos já se detectou a presença de cartéis
internacionais, com modus operandi muito violento e capacidade de
contaminação de instituições muito grande.
Há também o problema das armas.
De onde vem a droga, vai a arma. Paga-se um pelo outro. É um problema
muito sério, que está se agravando. Os indicadores das polícias apontam a
presença de armas cada vez mais sofisticadas e potentes nas mãos do
crime organizado.
Qual é o atraso hoje no Sisfron?
Este ano era para termos concluído a implantação do projeto piloto no
Mato Grosso do Sul e em Rondônia. Isso só vai acontecer, provavelmente,
em 2016. Talvez até se estenda mais um ano. No projeto como um todo, a
previsão para concluirmos a implantação era 2022. Agora, a se manter o
atual ritmo, deve-se concluir em 2035, apenas, ou depois até. E nesse
projeto Sisfron, que usa tecnologias críticas, mais avançadas, a
obsolescência é mais rápida. Então não teremos cumprido a implementação e
já estaremos às voltas com mais necessidades.
É uma crise claramente econômica. Mas há uma crise política. Há risco
de instabilidade? Há preocupação do Exército nesse sentido?
Há uma atenção do Exército. Eu me pergunto: o que o Exército vai fazer? O
Exército vai cumprir o que a Constituição estabelece. Não cabe a nós
sermos protagonistas neste processo. Hoje o Brasil tem instituições
muito bem estruturadas, sólidas, funcionando perfeitamente, cumprindo
suas tarefas, que dispensam a sociedade de ser tutelada. Não cabem
atalhos no caminho.
O que acha dos manifestantes que defendem intervenção militar?
É curioso ver essas manifestações. Em São Paulo, em frente ao Quartel-General, tem um pessoal acampado permanentemente. Eles pedem “intervenção militar constitucional” (risos).
Queria entender como se faz. Interpreto da seguinte forma: pela
natureza da instituição, da profissão, pela perseguição de valores,
tradições etc. A gente encarna uma referência de valores da qual a
sociedade está carente. Não tenho dúvida. A sociedade esgarçou seus
valores, essa coisa se perdeu. Essa é a principal motivação de quererem a
volta dos militares. Mas nós estamos preocupados em definirmos para nós
a manutenção da estabilidade, mantendo equidistância de todos os
atores. Somos uma instituição de Estado. Não podemos nos permitir um
descuido e provocar alguma instabilidade. A segunda questão é a
legalidade. Uma instituição de Estado tem de atuar absolutamente
respaldada pelas normas em todos os níveis. Até para não termos
problemas com meu pessoal subordinado. Vai cumprir uma tarefa na rua,
tem um enfrentamento, fere, mata alguém, enfim... não está respaldado. E
aí, daqui a pouco, tem alguém meu submetido na Justiça a júri popular.
Terceiro fator: legitimidade. Não podemos perder legitimidade. O
Exército tem legitimidade por quê? Porque contribui para a estabilidade,
porque só atua na legalidade. Pelos índices de confiabilidade que a
sociedade nos atribui, as pesquisas mostram repetidamente, colocam as
Forças Armadas em primeiro lugar. E, por fim, essa legitimidade vem
também da coesão do Exército. Um bloco monolítico, sem risco de sofrer
qualquer fratura vertical. Por isso as questões de disciplina, de
hierarquia, de controle são tão importantes para nós. O Exército está
disciplinado, está coeso, está cumprindo bem o seu papel.
CORREIO BRAZILIENSE/UNPP
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