Processo disciplinar militar e o princípio da ampla defesa .

3 de maio de 2015

Princípio da ampla defesa

Leandro Garcia Santos Xavier*

Resumo
A presença de advogado não é obrigatória no Processo Disciplinar Militar mesmo com a possibilidade de aplicação de sanção restritiva de liberdade detenção e prisão. Esse fato não viola o princípio da ampla defesa.

Sumário
Introdução. O que pode ser considerado transgressão militar. Punições aplicáveis em caso de transgressão militar. Ampla defesa e contraditório. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO
Os militares têm uma série de princípios constitucionais relativizados pelo fato de serem regidos por legislação específica. Todas as suas condutas devem se basear nos princípios da hierarquia e disciplina. Hoje as principais normas que regem esses agentes são: a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares); Lei nº 4.375/1964 (Lei do serviço militar); os regimes disciplinares de cada força (Marinha, Exército e Aeronáutica) e a Constituição Federal de 1988.
O regimento militar é bem diferente do regimento dos servidores civis e não poderia ser diferente, tendo em vista que as Forças Armadas são responsáveis pela defesa nacional, por proteger os poderes constitucionais e garantir a ordem interna.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988)
Porém, este fato não pode ser fundamento para a violação dos Direitos Fundamentais consagrados em nossa Carta Magna, em especial o direito a liberdade de locomoção, amparado pelo remédio constitucional do Habeas Corpus.
A prisão por transgressão militar é disciplinada na norma constitucional, logo não há que se falar em modalidade ilegal de sanção, neste contexto dispõe a Constituição:

“Art. 5º(…)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;” (grifo)
A apuração para verificar a prática de transgressão militar deve se dar por meio de processo próprio assegurado a ampla defesa e o contraditório. O Processo Disciplinar Militar é o meio utilizado pelo Estado para de um lado garantir esses direitos e do outro efetivar seu poder hierárquico e disciplinar.

O QUE PODE SER CONSIDERADO TRANSGRESSÃO MILITAR:
Primeiramente há de ser diferenciar o que seria uma mera transgressão militar e o que seria considerado crime militar. Celso Lobão define crime militar:
“o crime militar é a infração penal prevista na lei penal militar que lesiona bens ou interesses vinculados à destinação constitucional das instituições militares, às suas atribuições legais, ao se funcionamento, à sua própria existência,no aspecto particular da disciplina, da hierarquia da proteção à autoridade militar e ao serviço militar.” (LOBÃO, 2006, p. 56)
A conduta de transgressão militar vem descrita nos regimentos de cada força. Vamos utilizar o Regulamento Disciplinar do Exército, Decreto nº 4.346/2002, a fim de definir transgressão:
“Art. 14.Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.
§1oQuando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar.”

PUNIÇÕES APLICÁVEIS EM CASO DE TRANSGRESSÃO MILITAR
O servidor civil quando pratica conduta irregular responde a processo administrativo disciplinar próprio, este gera sanções administrativas a serem aplicadas a cada casa em concreto. Após processo administrativo disciplinar federal, o servidor que cometeu desvio de conduta poderá ser punido, segundo consta no art. 127 da Lei nº 8112/1990, com advertência, suspensão ou demissão, cassação da aposentadoria ou da disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou destituição de função comissionada.
O militar, no caso de transgressão militar, poderá sofrer sanções muito mais rígidas. Dispõe a norma militar:
“Art. 24. Segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão, as punições disciplinares a que estão sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente:
I - a advertência;
II - o impedimento disciplinar;
III - a repreensão;
IV - a detenção disciplinar;
V - a prisão disciplinar; e
VI - o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina.
Parágrafo único. As punições disciplinares de detenção e prisão disciplinar não podem ultrapassar trinta dias e a de impedimento disciplinar, dez dias.” (grifo). (Decreto nº 4.346/2002)
Percebe-se que o militar pode vir a sofrer pena restritiva de liberdade no caso de conduta qualificada como transgressão militar.

AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO
A Constituição assegura a ampla defesa e o contraditório tanto nos processos judiciais como nos processos administrativos. A defesa técnica realizada por advogado advém desses princípios.
“A defesa técnica, isto é, aquela exercida pela atuação profissional de um advogado, é um corolário da ampla defesa. Essa defesa técnica, no ordenamento constitucional brasileiro, é defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva. Além de ser um direito é, também, uma garantia, porque só assim se pode atingir uma solução justa.” (FERNANDES, 2012, p. 254).
O Superior Tribunal de Justiça editou em 2007 a Súmula nº 343, a qual alcança e protege o militar, tendo em vista a possibilidade de aplicação de sanção que restringe a liberdade do mesmo. O texto da súmula dispõe: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.”
Em 2008 o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 5, a qual torna facultativa a presença do advogado nas fases do processo administrativo disciplinar: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição.”
O servidor público civil poderá se utilizar do Poder Judiciário para rever sanção administrativa decorrente de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) irregular, neste caso ficando provada a ilegalidade da punição o judiciário deverá anular o processo, com isso o servidor não se vê com grandes prejuízos, pois retornará a sua situação anterior. A fim de exemplificar, imagine a situação em que servidor público federal é demitido sem fundamentação legal por meio de um PAD, este tramitado sem a presença de advogado para defesa do processo. Ingressando com ação no judiciário o autor terá direito a reintegração ao serviço público, conforme dispõe o art. 28 da Lei nº 8112/1990. A presença do advogado na ação judicial é obrigatória. No exemplo a ausência do advogado no Processo Administrativo não gerou, em tese, grandes prejuízos ao servidor.
A mesma lógica não pode ser utilizada ao militar, tendo em vista o regimento disciplinar próprio que dá a possibilidade de aplicar prisão como sanção. Neste caso, a falta de advogado nas fases do Processo Disciplinar Militar viola o princípio constitucional da ampla defesa. Somente advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem do Advogados tem capacidade e conhecimento jurídico para assegurar o regular andamento do processo e elaboração de defesa técnica. O militar por si só não tem qualificação jurídica para elaborar sua tese de defesa com fundamentos doutrinários e legais.
Apesar de o judiciário rever os aspectos legais do Processo Disciplinar Militar, devendo anulá-lo no caso de ilegalidade, o militar, dependendo do caso, jamais poderá retornar a seu status original. Como reverter trinta dias de prisão disciplinar já cumpridos? Nesse caso, o militar teve sua liberdade violada ilegalmente e já cumpriu a sanção em unidade de prisão militar.

CONCLUSÃO
A Súmula Vinculante nº 5 deve ser interpretada de maneira extremamente literal, se aplicando apenas aos processos administrativos disciplinares, como está expresso no seu texto.
Nos Processos Disciplinares Militares há de ser obrigatória a presença de advogado, tendo em vista as rígidas sanções que podem ser impostas ao militar por meio desse processo, em especial aquelas que restringem a liberdade do militar. Aplicar a Súmula Vinculante nº 5 aos militares é violar diretamente os princípios da ampla defesa, do devido processo legal e, dependendo do caso, a liberdade de locomoção.

Referências

BRASIL. Estatuto dos Militares: Lei nº 6.880 de 09 de dezembro de 1980. disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880.htm>
BRASIL. Lei do Serviço Militar: Lei nº 4.375 de 17 de agosto de 1964. disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4375.htm>
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>
BRASIL. Regulamento Disciplinar do Exército: Decreto nº 4.346 26 de agosto de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4346.htm>
BRASIL. regime jurídico dos servidores públicos civis da União : Lei nº 8112 de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm>
BRASIL. Súmula 343 do STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num=%27343%27>
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional - 7 ed : Revista dos Tribunais, 2012.
LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar3 ed. Editora Brasília Jurídica, 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.


* Analista Ambiental da Área de Monitoramento Regulação Controle Fiscalização e Auditoria Ambiental do IBAMA. Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio/Facitec. Especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá cursando. Advogado

Âmbito Jurídico

4 comentários:

Sub Ten Marcos Barbosa disse...
Ou seja, pelo que pode ser entendido na matéria, o militar querendo ou não pode ser preso com ou sem advogado e isso se o advogado não for preso junto com o militar.
Anônimo disse...
Os rigores e os deveres das leis são para serem cumpridas, mas não pode usufruir nenhum direito de cidadão!
Anônimo disse...
Analista Ambiental?
Anônimo disse...
Milico quer mudar esta situação?
PEDE PRA SAIR!!!!!!!!

Comentários

  1. dentro da caserna ha sim violação de direito humanos ,perseguição por superiores violação de conduta, abuso de autoridade assédio moral entre outros, pois segundo estatuto dos militares o que rege normativas e artigos estão todos em conformidades com hierarquia e disciplina isso na pratica e que o superior pode cometer abusos e muitos casos usa discriminadamente de abuso de poder com seus subaltenos a chamada razão de defesa do militar inquerido em parte por um superior dificilmente e absolvido mesmo que tenha razão sendo contrario jamais o subalterno mesmo que venha a denunciar um superior tais crimes esse superior internamente é muito provável que não será punido! sendo punições aplicadas sempre a subaltenos as vezes por infrações fúteis resulta em carcere e impedimento detenção mesmo que todas essa detenções prisões sejam por no máximo um período de 30 dias sendo assim as chamada punições administrativas as que não seja acionado a justiça militar, outra evidência clara de discriminação praticada nos quarteis e a revista feita somente em cabos e soldados como se fosse os cabos e soldados únicos que podem vir a cometer crimes!tal situação que fere a constituição federal e a política de direitos humanos sou militar reformado por acidente de trabalho a, passei 4 anos no serviço militar em uma unidade já mais fui punido mas posso relatar isso pq vivi isso e não só eu que passei bastante tempo como soldado mas demais colegas e notória e comum essa pratica dentro das casernas não somente no período de recruta mas também posteriormente como militar profissional sendo assim dito ate mesmo pelo cmt não aceitaria nada fora da hierarquia ou seja se um soldado quiser falar algo para o CMT ele tem que falar para cabo o cabo para o sargento o sargento para tenente o tenente para capitão o para major e major para tenente coronel o cmt isso seria hierarquia levado a pé da letra,já presenciei desrespeito ofensa pessoais de um guri recém chegado da academia de oficiais para com um sub ten que tinha idade para ser seu pai esse tipo coisa deve ser obrigado a ser mudado nas FAA pois se é dever o respeito a superior também e dever o respeito do superior com seus pares e subordinados afinal tal violação praticada fere a dignidade humana!!.

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