Uma carta de saudade.
18 de março de 2015
Saudades :
Sheila Morello*
Um ano, 52 semanas, 365 dias...
Há exatamente um ano, eu não uso mais farda. Não faço mais o habitual coque, nem pinto as unhas de branquinho.
Há um ano, não entro mais em forma embaixo de sol. Nem preciso ser superior ao tempo quando começa a chover.
Para minha felicidade, há um ano não faço TAF (Teste de Aptidão Física).
Corro só quando tenho vontade. Mas, para minha tristeza, também não
faço TAT (Teste de Aptidão ao Tiro) e sinto muita falta dele.
Há um ano, paquero de longe o PDC (Palácio Duque de Caxias, no RJ)
quando passo em frente a ele. Isso acontece todos os dias, de segunda a
sexta, de manhã e à noite.
Há um ano, não ando mais em viatura, mas continuo usando (e muito) jargões de miliquês.
Há um ano, não participo de operações, nem de ações cívicas sociais, nem de solenidades militares.
Há um ano, não ouço o som do bumbo... Aquele que nos diz que devemos colocar o pé direito no chão, enquanto desfilamos.
Há um ano, não presto continência, nem sou chamada de "senhora". Era tão estranho ser chamada de senhora aos 24 anos...
Eu era uma menina quando ingressei nas fileiras do Exército Brasileiro.
Não sabia nada da vida castrense. Não sabia nem que iria usar farda. De
cara, odiei. Depois, me apaixonei. E a paixão virou amor, daqueles que
nunca morrem.
Durante o último ano, só tive coragem de voltar ao PDC uma vez. E
derramei lágrimas sem fim com cada amigo que encontrava nos corredores.
Talvez seja complicado para um civil entender. Mas ser militar é muito
mais que ter um emprego. É ter uma família, uma segunda casa, lições de
vida e amizades duradouras. É compartilhar valores, perrengues, missões,
tradições. É multiplicar companheirismo, cumplicidade, camaradagem. É
entender o significado literal de "servir". É superar limitações e se
orgulhar muito disso. Só entende quem passa por isso. Aliás, só entende
mesmo quem "vivencia" isso.
Há um ano, eu me preparava para um dos dias mais emblemáticos da minha
vida: o dia de deixar a caserna. Por mais que, desde 2006, eu soubesse
que este dia chegaria e até tenha tentado me preparar para ele, confesso
que não estava preparada. Doeu como se estivesse me despedindo de um
grande amor. E estava.
Ainda atendo o telefone no ímpeto de dizer "Assessoria de Imprensa do
Comando Militar do Leste". Ainda penso nas histórias do fim de semana
que vou contar para as minhas companheiras. Ainda lembro e celebro as
datas festivas do calendário do Exército. Ainda conto as experiências
vividas, como se tivessem acontecido na semana passada. Ainda lembro da
formatura mensal e revivo na memória, com lágrimas nos olhos, a última
vez que entrei em forma no Dia da Bandeira de 2013. Por mais incrível
que possa parecer (milicos entenderão), minha família também lembra e
revive muitas coisas comigo.
Ah! Como sinto saudades... Saudade daquela camaradagem. Saudade das
missões. Saudade de me arrepiar em forma, ao som da Canção do
Expedicionário. Saudade da minha farda. Saudade de ser a Tenente Sheila.
Não pela patente, pois quem me conhece, sabe que nunca me vali dela,
mas pelo orgulho de ser uma Oficial do Exército Brasileiro. Continuo
sendo uma Oficial do nosso glorioso EcoBravo, mas agora componho a
reserva atenta e forte. Saudades...
O tempo passou tão rápido e eu agradeço a Deus TODOS OS DIAS pela
manifestação da graça superabundante Dele em minha vida. Pelos novos
desafios que Ele me tem dado, pelos novos aprendizados, pelas
oportunidades e conquistas diárias. Sou muito feliz pela oportunidade
ímpar que estou vivendo hoje. Tenho muito orgulho de fazer parte de um
projeto tão expressivo para o nosso país. Peço a Deus que me abençoe e
me capacite para que eu possa somar e dar sempre o melhor de mim no meu
trabalho.
Contudo, saudade é algo que não controlamos. Às vezes, nem ao menos
sabemos explicá-la direito. Mas, na minha opinião, saudade é a
confirmação de que algo que vivenciamos valeu a pena. Integrar o
Exército valeu muito a pena. Foi muito mais que uma experiência de
emprego, foi uma escola de vida, da qual - hoje - trago comigo os
melhores ensinamentos.
Ao Exército Brasileiro, minha continência, meu reconhecimento, meu eterno respeito, admiração e amor.
Brasil acima de tudo! (R. A.)
*Oficial R/2 do Exército
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