Forças Armadas perdem seus cérebros.
7 de abril de 2014
Baixos salários e atraso tecnológico fazem com que 653 oficiais da elite militar do país pendurem as fardas
O ex-capitão Victor Dalton (Cristiano Mariz/VEJA) |
Lucas Souza
Aos quinze anos, o baiano Victor Dalton já tinha o desejo de seguir a
carreira militar. Deixou a casa dos pais em Porto Seguro (BA) e viajou
sozinho a Campinas (SP) para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes
do Exército, em 1999. Após uma passagem na Academia Militar das Agulhas
Negras, foi aprovado no vestibular de engenharia da computação do
Instituto Militar de Engenharia (IME), um dos mais difíceis do país.
“Recebi uma promoção para o posto de capitão quando me formei. Sempre
gostei do meu trabalho. Mas, depois que me casei, os gastos aumentaram e
eu tive de dar um jeito na situação”, conta. Victor tinha onze anos de
Exército, e pouco mais de um ano de casado, quando decidiu batalhar por
outro emprego. Quando passou no concurso para ser analista legislativo
na Câmara dos Deputados, seu salário triplicou, de pouco mais de 5.000
para 16.000 reais.
A história do ex-capitão ilustra a fuga de cérebros que atinge as Forças
Armadas brasileiras. Nos últimos três anos, outros 652 oficiais pediram
baixa das três Forças. A debandada aumentou 63% de 2011 a 2013. Esse
grupo inclui a elite militar do país, formada em centros de excelência,
como o IME e o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). O número de
engenheiros que deixaram a farda, por exemplo, cresceu 153% e chegou a
92 no ano passado. Só no primeiro mês deste ano, outros onze já
abandonaram a carreira militar em busca de salários maiores na
iniciativa privada e de uma ascensão profissional mais rápida. No total,
restam pouco mais de 1.700 engenheiros entre os mais de 500.000
militares brasileiros.
Essa “deserção” tem impacto direto em grandes projetos no país com
participação dos militares, seja porque nenhuma empreiteira se
interessou ou porque as empresas contratadas não conseguiram cumprir o
contrato. Obras como a construção da BR-163 (que liga o Pará ao Rio
Grande do Sul) e a recuperação da BR-319 (do Amazonas a Rondônia),
tocadas por batalhões de engenharia do Exército, foram paralisadas por
problemas operacionais. A primeira apresentou “deficiência” no projeto
de execução, enquanto a segunda teve falhas no estudo do impacto
ambiental, de acordo com o Tribunal de Contas da União.
O ex-coronel da FAB Nehemias Lacerda |
Uma das promessas da campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010, a
transposição do Rio São Francisco tornou-se um verdadeiro vexame para a
gestão petista e para os militares brasileiros. Até o projeto básico de
um trecho sob responsabilidade do Exército, o da Bacia do Nordeste
Setentrional, foi considerado deficiente pelo TCU. Para a realização de
um projeto hidroviário no rio, o governo teve de contratar, em 2012, o
Exército americano.
Outro fator de preocupação é a defesa cibernética brasileira. Embora um
centro militar de estudos no setor tenha sido criado em 2012, o país
permanece frágil perante os ataques. Apenas no ano passado, os sites da
Polícia Federal, Senado, IBGE, Ministério dos Esportes, Cultura e
Cidades foram atacados e deixados momentaneamente fora do ar. O próprio
ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a ressaltar a dificuldade de
manter profissionais dentro das Forças. “Precisamos ter formação de
pessoal e garantir que eles continuem trabalhando para nós.
Frequentemente se ouve sobre alguém que era muito bom e foi trabalhar em
uma multinacional”, afirmou em novembro.
A questão salarial é, de fato, um dos motivos que levam a essa fuga. Em
2000, um capitão da Marinha ganhava o equivalente a dezoito salários
mínimos. Hoje, o poder de compra caiu pela metade. Enquanto isso, a
revolução tecnológica e o fenômeno das start-ups também atraem os
profissionais mais qualificados para a iniciativa privada. “Conforme eu
crescia na hierarquia militar, passei a receber atribuições
administrativas. Mas a minha vocação era trabalhar como pesquisador”,
conta o ex-coronel da FAB Nehemias Lacerda. Formado em engenharia pelo
ITA, depois de trinta anos na Aeronáutica ele decidiu abrir sua própria
empresa. Na carteira de clientes em busca de soluções de engenharia
estão Embraer, Vale, Votorantim e multinacionais como General Motors,
Ford e Philips.
A competição entre a carreira militar e a iniciativa privada é uma
guerra desigual, com enorme vantagem para o campo adversário das Forças
Armadas. Neste ano, o Ministério da Defesa foi o que sofreu o maior
corte entre as pastas. O orçamento caiu de 4,5 bilhões em 2013 para 3,5
bilhões de reais neste ano. A perspectiva de grandes inovações vindas
dos militares é tão distante quanto as suas principais realizações –
como a primeira transmissão de telégrafo no país, em 1851, na Escola
Militar do Rio de Janeiro.
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